VOLTANDO PELO SERTÃO

12º dia (18 de setembro de 2006, segunda-feira) – Trecho: Natal (RN) a Petrolina (PE). 890 km percorridos em 12h30min de viagem. Tempo parado: 1h53min.
ATRAVESSANDO O RIO GRANDE DO NORTE:

Deixamos o hotel em Natal às 4h55min, antes de servirem o café da manhã. Nenhum problema em deixar a cidade, que possui excelente sinalização em todos os lugares. Mesmo assim, parei 3 vezes para perguntar se o caminho era por ali mesmo. Estava fácil demais para acreditar. Rumamos rápido para o interior nordestino. Nosso retorno para casa seria realizado por dentro, atravessando a caatinga e os sertões escaldantes.
À medida que adentrávamos o interior, o cenário se alterava radicalmente. Saímos de uma região litorânea - com mata tipicamente atlântica -, para viajar por outra, marcada por vegetação baixa, rica em arbustos espinhosos e mandacarus acima de cinco metros. O Sertão, assim como o Cerrado, exige observação aguçada para identificar suas belezas. A paisagem se repete e, apenas esporadicamente, vê-se alguma novidade que vale ser mencionada.
Entre Catolé e Tangará (RN), a 90 km de Natal, vimos muitas garças brancas nos arredores dos rios e açudes. Até ali o terreno é formado por planície extensa, de perder de vista. Juremas (arbustos típicos de todo o sertão) ladeiam a estrada e, vez por outra, pés de angico e palmeiras de folhas ponteagudas, alterando um pouco a mesmice da paisagem. No Rio Grande do Norte o Sertão estava verde, embora os rios temporários ainda estivessem secos. É interessante ver placas com o nome dos rios e, sob as pontes, apenas leitos secos ou muito assoreados. Outro fato que nos chamou a atenção foi o número de caminhões paus-de-arara, apinhados de sertanejos. Tudo indica que esse tipo de transporte funciona de modo mais eficiente que os ônibus intermunicipais.
A partir de Currais Novos (RN), a 180 km de Natal, surgem serras elevadas no horizonte. A estrada inclina-se para cima e lá vamos nós, acelerando a 110 km/h. Ali trocamos de rodovia. Saímos da BR 226 e entramos na BR 427, ambas em ótimo estado de conservação. A natureza ganha aspectos diferentes, em verde-claro, mas a vegetação ainda mantém-se baixa, marcada por arbustos e capinzais. Passamos por Acari e Jardim do Seridó sem grandes alterações na paisagem.
Chegamos a Caicó (RN) às 8h10min, com 280 km percorridos desde Natal. Caicó é uma cidade bonita e limpa. Interessante observar que, mesmo no interior, as cidades nordestinas por onde passamos estavam belas e asseadas, sem lixo ou sujeira nas ruas. Sentamos numa padaria indicada pelo atendente do posto de gasolina e tomamos um super café da manhã: pão com presunto, queijo e ovo, e muitas xícaras de café forte. Ficamos 50 minutos parados ali. Aproveitei para tirar fotos e prosear com a proprietária da padaria. Lembrei-me do meu amigo José Pereira, falecido há dois meses, que havia sido professor em Caicó.
Deixamos a cidade sob olhares curiosos das pessoas. Ninguém ainda tinha visto motociclistas de tão longe. Caicó é superpovoada por motocicletas de baixa cilindrada. Muitas mulheres pilotando nas ruas. Aliás, essa foi uma característica observada em todas as localidades interioranas por onde passamos. O número de mulheres motociclistas surpreende qualquer observador, por menos atento que seja.

(em Caicó e rodovia perto de Currais Novos)

NO SERTÃO DA PARAÍBA:

A partir de Caicó (RN), o cenário do Sertão se altera. Embora tenhamos passado por centenas de pequenos açudes ladeando a estrada, a natureza ganha aspectos parecidos com aqueles descritos por Graciliano Ramos, em Vidas Secas, ou com as “terras ignotas” de Os Sertões, de Euclides da Cunha. O chão esturricado e rachado, os rios secos, a vegetação amarronzada e espinhosa, algumas carcaças de animais, a marcante presença de urubus trazem outra característica ao interior nordestino. Morros brancos circundam a rodovia, incrustados por rochas enormes de coloração bege clara.
Adentramos a Paraíba mergulhados neste cenário. A BR 427 mantém-se em bom estado. Alguns trechos remendados, mas nenhum buraco. Vale lembrar que todas as estradas por onde passamos, excetuando as da Bahia, estavam boas, para grata surpresa nossa. Em Pombal (PB), a 370 km de Natal, vimos o primeiro rio caudaloso no território paraibano, o rio Piranhas, depois de passar por dezenas de pontes sobre rios ausentes. Nesta cidade trocamos novamente de rodovia, a BR 230, que nos conduziria por aproximadamente 100 km até a BR 116, que nos aguardava pouco além de Cajazeiras.
As cidades de Sousa e Cajazeiras deixaram lembranças pelo aspecto de desenvolvimento econômico. Sousa é enorme e havia muitos caminhões de carga pesada transitando. Em Cajazeiras, terra dos pais de meu amigo de motoclube Gláucio, vimos uma concessionária da Fiat logo na entrada da cidade. Também me veio à mente cenas do filme A Noite do Espantalho, de Sérgio Ricardo, onde Alceu Valença estrela cantando: “sou cantador de Cajazeiras e vim cantar pra minha gente...”. Esse filme é um belíssimo musical sobre a realidade nordestina, filmado integralmente em Nova Jerusalém (PE).
Convivemos com pequeno trecho de 10 km com muitos buracos, na estrada que liga Cajazeiras à BR 116. Nessa altura do território nacional, esta rodovia não apresenta a mesma quantidade de caminhões que enfrentamos na Bahia. A estrada estava boa, embora bastante remendada pelas muitas operações tapa-buracos, parecendo colcha de retalhos.
(Foto em Cajazeiras/PB)

NO CEARÁ:

O Ceará foi o estado que trafegamos apenas pelo interior, por mais de 100 km. Marcaram nossas lembranças as belezas das terras dos Kariris e das cidades de Milagres e Brejo Santo. O verde volta aos nossos olhos e a paisagem ganha colorações diferentes à medida que avançamos pelo interior do estado.


PERNAMBUCO E O POLÍGONO DA MACONHA:

Pernambuco é marcado pelo bom desenvolvimento econômico de suas cidades interioranas. Logo ao entrar no Estado, paramos no posto rodoviário de Salgueiro, onde havíamos combinado com o delegado Samuel, por telefone, o monitoramento da nossa passagem pelo Polígono da Maconha. Chegamos à cidade por volta das 13h30min, após 650 km rodados desde Natal. O delegado não estava, mas os agentes foram avisados da nossa passagem, combinada desde Brasília. Ofereceram um carro-patrulha para nos acompanhar. Recusei terminantemente pelo inusitado da situação. Imagina dois motociclistas escoltados por uma patrulha! Sei não, mas achei menos arriscado viajar desacompanhado. Valeu pela atenção dos policiais e pelas dicas dadas, que nos garantiram que o Polígono, atualmente, só tem fama de lugar violento. Não há ocorrências durante o dia. Poderíamos seguir tranquilos.
Tranquilidade à parte, encontramos barreiras da Polícia Militar pernambucana em diversos trechos da estrada. Fomos parados em todas elas e, na imensa maioria, fomos objeto de extorsão por parte dos policiais. “Deixa aí uma contribuição para o refrigerante”, diziam. E lá iam R$ 10,00 para o ralo. Eu não queria dar uma de herói e me negar a providenciar a tal contribuiçãozinha. Meu receio de lidar com policiais corruptos é o mesmo de lidar com bandidos, especialmente ali, nas terras do Polígono, onde se morre sem qualquer aviso.
O maior perigo que enfrentamos ao atravessar os 110 km do Polígono da Maconha foi o risco de atropelar uma das centenas de cabras que pastavam no acostamento da pista. Mesmo assim, passamos velozes por Cabrobó e Orocó (antiga capital da maconha), e só reduzimos a velocidade quando deixamos as terras do Polígono, nas proximidades de Lagoa Santa - cidade onde a Embrapa faz excelente trabalho na produção de uvas e vinhos em pleno Sertão pernambucano.
Chegamos a Petrolina por volta das 17 h, depois de pilotar por 890 km em um mesmo dia, nosso recorde de navegação diária nesta viagem. O hodômetro marcava 3.990 km percorridos desde o dia 7, quando saímos de Brasília. Ao chegar, mesmo antes de procurar uma pousada, fomos diretos ao Bodódromo - área de lazer especializadíssima em comidas feitas com carne de bode, da pizza ao churrasco. Após quase 12 h sentados no banco da motocicleta, nunca a cerveja desceu tão redonda e gostosa. Dormimos por volta das 20 horas na pousada Rio Belo, próxima à entrada da cidade, e pagamos R$ 50,00 por dois quartos.


(em Petrolina/PE)

13º dia (19 de setembro de 2006, terça-feira) – de Petrolina (PE) a Ibotirama (BA). 796 km percorridos em 11h45min de viagem. Tempo parado: 1h56min.

NOVAMENTE A BAHIA E SEUS BURACOS:


Saímos de Petrolina ainda escuro, antes das 5 h da manhã. Por causa da ausência de luz, atravessamos o Velho Chico sem condições de fotografá-lo. Entramos na Bahia por Juazeiro, do outro lado do rio. Nos perdemos. Andamos cerca de 15 km para lá e para cá. Havia me esquecido que deveríamos seguir no sentido Feira de Santana e, por conta disso, desconsiderei a placa indicativa que havia ficado para trás.
As estradas baianas são o exemplo do que há de pior no Nordeste. Mesmo os trechos considerados bons estão muito remendados. A partir de Juazeiro seguimos pela BR 407. Abastecemos em Capim Grosso (BA), a 222 km de Juazeiro. Ali recomeça o inferno dos buracos sem fim. Nosso planejamento inicial era seguirmos por Mairi, continuando pela mesma BR 407. Desistimos antes de andar 2 km. Não havia estrada, só buracos! Perguntei a um sertanejo se melhorava adiante e ele respondeu meio de mau humor: “essa buraqueira só acaba no cu do mundo!”. Como não tínhamos a intenção de chegar a essa localidade, resolvemos seguir o conselho do atendente do posto de gasolina, que nos recomendou seguir pela BR 304, por Jacobina, que estava menos ruim.
É difícil acreditar que exista estrada pior que esta. Gastamos quase hora e meia para cumprir 65 km até Jacobina. Lá paramos para apertar a corrente da XT 600 do Paulo, que estava muito frouxa. Seguimos dali para o Morro do Chapéu, mudando novamente de rodovia, a BR 426, que estava tão ruim quanto a outra. Aceleramos para Carfanaum, depois de pegar pequeno trecho de 30 km em bom estado. Quando se achava que a estrada ficaria boa, aparecia logo à frente algum trecho em estado ainda pior. A rodovia estadual que nos levou até Carfanaum, a BA 052, tinha boas condições de pilotagem em apenas alguns quilômetros. Ao chegar perto de Iraquara, a 60 km à frente, a situação fica inimaginavelmente infernal. Não dava para acreditar na quantidade e na profundidade dos buracos da estrada. Demoramos 20 minutos para percorrer apenas 8 km. Trafegar pelas rodovias da Bahia, particularmente as estaduais, é certamente uma experiência masoquista. Quando chegamos à BR 242, que sabíamos estar quase toda recapada, dei socos no ar comemorando o fato, tal qual Pelé fazia na hora do gol. Vencemos 315 km de trechos extremamente ruins.
Na BR 242, sentamos o pau, tentando recuperar o tempo perdido. Pela primeira vez durante toda a viagem, andamos forte. Viajamos rápido para chegar a Ibotirama (BA) antes do anoitecer. Conseguimos adentrar a cidade por volta das 17 h. Trocamos o óleo das motos na concessionária da Honda e fomos dormir no hotel Velho Chico, a uma diária de R$ 40,00 para dois quartos individuais.





(na Serra da Mangabeira/BA)
14º dia (20 de setembro de 2006, quarta-feira) – Trecho: de Ibotirama (BA) a Brasília (DF). 836 km percorridos em 10h29min de viagem. Tempo parado: 1h29min.
Deixamos Ibotirama às 5h11min da madrugada, ainda escuro, depois de tomar café com pão de queijo em uma lanchonete do posto de gasolina da cidade. Andamos entre 90 e 100 km/h bem devagar, enquanto não clareava de vez. A ansiedade de chegar em casa era grande. Assim que clareou, resolvemos acelerar.
Não voltamos pelo mesmo caminho que viemos, que passava por Correntina e Bom Jesus da Lapa (através daquelas estradas esburacadas que já descrevi anteriormente). Seguimos viagem por Barreiras, pela BR 242 que, como já disse, estava quase toda recapada. Foi aí que descobrimos que nossa vinda poderia ter sido menos problemática se tivéssemos optado por esse caminho. Teríamos evitado 240 km de estradas esburacadas. O retorno por Barreiras era apenas 25 km mais longo que o nosso percurso de vinda.
Quase tivemos uma pane seca, ou seja, quase ficamos sem combustível. A Bahia, além de apresentar as piores estradas do Nordeste, também possui os maiores trechos sem postos de abastecimentos. Tivemos que comprar gasolina a R$ 3,50 o litro de um segurança de um posto fantasma fechado pelo IBAMA.
Paramos em Formosa (GO) antes das 15 h, a 80 km de Brasília, para nosso último abastecimento. Tiramos as derradeiras fotos da viagem. Meu amigo Paulo mora em local totalmente oposto à minha residência. Resolvemos dar os abraços de despedida ali mesmo, para evitar outra parada mais à frente. Cheguei em casa às 15h40min. O hodômetro marcava 5.572 km percorridos desde o dia 7 de setembro.
Enorme sentimento de realização me acalentava. O Brasil tornara-se mais íntimo. Findou-se, neste dia 20 de setembro, esta viagem fantástica que, certamente, habitará nossa memória até ofinal dos nossos dias.
Último pernoite em Ibotirama/BA
Chegando em Brasília


8 comentários:

Edson disse...

Ótimos relatos de viagem!
Quem sabe um dia ainda faço uma dessas! Parabéns irmãos estradeiros!
Edson

ROCK disse...

Show de bola!
farei este mesmo trajeto, agosto de 2011, postarei aqui quando voltar! abraços

andre bnu disse...

Parabéns pela inciativa da divulgação de uma aventura como essa. Estou querendo sair de Maceió-AL até Cruz Alta-RS no início de Fevereiro de 2011 com minha HaYaBuSa, sozinho!!! Será muita loucura?

Luis Lopes disse...

Sou de Camocim - Tenho alguns kmtros rodados em 02 rodas rsrsr Aqui tenho um clube - (mto fraco) sempre me arrisco e viajo sozinho - acessem o meu blog - camocimterradosol.blogspot.com - deixem comentários - Tenho uma grande viagem agora em janeiro de 2011 - abração!!!

Chese Sartori disse...

Muito legal essa viagem!

Tenho uma XRE e quero fazer uma viagem no ano que vem, moro no rio de Janeiro e estou planejando passar chegar até Natal e voltar por Brasília, uma viagem de uns 20 dias. Gostaria de saber a opinião de vcs sobre o roteiro, pelo Atlântico, porém ainda não tenho todas as paradas certas e quanto a moto, se acham ser uma moto legal para a viagem e quais os principais problemas que vcs tiveram nas motos nessa viagem.

Valeu!

Vladi disse...

Excelente relato de viagem, parabéns aos amigos e fica o convite a todos motociclistas, a fazerem relatos de suas aventuras, para que sirvam de inspiraçâo a todos aventureiros de duas rodas. Obrigado aos amigos do Aguia Solitaria de Brasilia.

leia disse...

por gostei muito do relatório de vocês ;viagei com vcs na imaginação gostaria de um dia fazer uma viagem dessas parabéns.abraços

Unknown disse...

Compre já a sua Motocicleta e viva essa experiência de pilotar com prazer sensacional!